quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A força e o martírio de viver Joana d'Arc no palco


A TARDE – 2+
05/11/2009
Cena

foto Thiago Teixeira

Teatro: Jussilene Santana encara desafio de protagonizar peça que estréia dia 26

“É uma energia grande dar vida a uma personagem como esta, um enigma estudado pela religião pela história

Jussilene Santana
Protagonista da peça
Eduarda Uzêda

A atmosfera é de tensão, claustrofobia e medo, rodeada
pelo fogo de candeeiros acesos com velas, Joana D’Arc,
acuada, responde as perguntas incisivas de inquisitores vestidos de longos capuzes pretos. Esta é uma das cenas impactantes do espetáculo, Joana D’Arc, que estréia no dia 26, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves.
Este, entre outros quadros, foi representado, anteontem, no Forte de Nossa Senhora do Monte do Carmo, Mais conhecido como Forte do Barbalho, onde a diretora da peça, Elisa Mendes, ensaiava com os atores, enquanto se realizava uma sessão de fotografias para a divulgação.
O cenário não estava ainda todo pronto, assim como o figurino, ambos assinados por Zuarte Júnior, mas os intérpretes já usavam algumas peças do vestuário (cores escuras com materiais reciclados) e portavam adereços da montagem.
No centro da trama, a atriz Jussilene Santana (Shopping and Fucking/ Senhora Júlia), que vive o papel-título, encabeça elenco que conta uma história de idealismo e obstinação por justiça, para provocar reflexão sobre problemas atuais.
No local também estavam os atores Carlos Betão, Widoto Áquila, Hamilton Lima, Antônio Fábio, Caio Rodrigo e Jefferson Oliveira, que integram o elenco e defendiam, com entusiasmo, seus papéis.

Metáfora visual
“Os candelabros que circulam Joana trazem ao palco a metáfora visual do fogo, tanto como simbologia de conhecimento quanto de ameaça constante da fogueira da morte”, explica Elisa Mendes, que acrescenta que o projeto resulta de um estudo amplo que realiza desde 2001.
A pesquisa, que se debruça sobre a encenação de dramas com personagens históricos, de acordo com a encenadora, começou naquele ano com a peça A Vida de Galileu (oitava montagem do Núcleo de Teatro do TCA), prosseguimos com Lampião e Maria Bonita (2003/2005).
Agora, tem continuidade com a peça Joana D’Arc, que faz um recorte do personagem em narrativa não linear, enfocando as vitórias e julgamentos de Joana, que morreu queimada.
O projeto teve início em 2006, com texto inédito da dramaturga Cleise Mendes. A autora também fez uma ampla pesquisa do processo que envolveu a heroína francesa. Cleise chegou a consultar autos do interrogatório histórico.
No ensaio, já se pode sentir o martírio de Joana D’Arc, que, a partir dos 13 anos, começou a ouvir as vozes de Santa Catarina, Santa Margarida e São Miguel, exortando-a para libertar a França do domínio inglês.
É muito forte a cena em que é interrogada e torturada pelo promotor Jean d’ Stiver (personagem de Carlos Betão). Jussilene imprime, através do olhar e nas contorções corporais, todo o sofrimento da heroína.
“É uma energia muito grande dar vida a uma personagem como esta, um enigma estudado pela religião, pela história”, afirma a intérprete. Ela diz que fica entregue à figura de Joana D’Arc 24 horas por dia.
“Tenho este papel escabroso de contar o lado podre da igreja”, ressalta Betão em um pequeno intervalo da cena. O ator, que também tem brilhado nos palcos, diz que trabalhar com Elisa “é um luxo”, elogiando a sensibilidade e a inteligência da encenadora baiana.

Insultos
Não faltam insultos à heroína, acusada pelo tribunal inglês de feitiçaria. “Vaqueira, analfabeta, prostituta, transvestida e bruxa francesa”. São com estes termos que o personagem Warwic, o conde inglês, interpretado por Widoto Áquila, se refere à Joana. É ele quem cobra agilidade do processo contra esta, “É um grande manipulador”, entrega, também em intervalo rápido de uma cena. As relações de poder, da autoridade que utiliza a força e a arbitrariedade, a disputa incessante de territórios, assim como o fanatismo, são temas abordados na peça, que permitem a reflexão da realidade contemporânea.
“Não há uma ordem. O público monta a jornada da personagem, exercitando o olhar de espectador”, diz Elisa, que trabalha com paralelismo de tempo, em movimentação realista ou coreografada, que ressalta tanto a realidade quanto o delírio.

Patrocínio
O espetáculo Joana D’Arc arrecadou R$ 90 mil, através do edital Manoel Lopes Pontes de Apoio à Montagem de Espetáculo Teatral. O jornalista Jean Wyllys, Ex-big Brother Brasil e amigo pessoal de Jussilene Santana, também contribuiu com uma verba que possibilitou a montagem do espetáculo.
De acordo com a produtora Virgínia Da Rin, Jean deu cerca de R$ 20 mil para a montagem, o que foi muito útil para bancar os custos iniciais de trabalho de corpo e voz de Jussilene e pesquisa dramatúrgica de Cleise.
“Foi nosso primeiro patrocínio do projeto”, enfatizou, ressaltando também o bom trabalho da equipe. Joana D’Arc, que tem iluminação de Irmã Vidal e trilha sonora de Luciano Bahia, está nos preparativos finais. E, se depender dos atores e da diretora, o público vai aplaudir. Em véspera de estréia, atores ficam nervosos. Jussilene Santana fica calma. “Mas é uma calma de olho de furacão”, brinca. Com uma filha de seis meses e no doutorado de Artes Cênicas, ela sabe mesmo enfrentar as batalhas.

JOANA D’ARC / 26 a 29 DE NOVEMBRO, 20 H E 3, 4, 11, 12, 13, 18, 19 E 20 DE DEZEMBRO, 20 H / SALA DO CORO DO TEATRO CASTRO ALVES (3117-4899) / PÇ. DOIS DE JULHO S/N, CAMPO GRANDE / R$ 20 E R$ 10

12 comentários:

André Setaro disse...

Quando penso em Jeanne D'Arc, cara Jussilene, a imagem que me vem logo à mente é a de Renée Falconetti, que a interpretou, de maneira inexcedível, em "La passion de Jeanne D'Arc" (1928), de Carl Theodor Dreyer. Este diretor dinamarquês obrigou Falconetti a passar, durante as filmagens, por torturas psicológicas e sofrimentos tais para que, nas imagens, apresentasse o martírio 'real' pelo qual passou a própria e lendária personagem. Resultado: finda a filmagem de 'La passion...', Falconetti isolou-se num asilo psiquiátrico.

O filme é uma obra-prima do cinema em todos os tempos. Walter da Silveira considerava o melhor filme de sua vida.

Evidentemente não quero que você passe pelo martírio de Falconetti para dar à 'sua' Jeanne d'Arc o poder de convencimento tão necessário a um espetáculo teatral.
Desejo que você sofra um prazer catártico para nos dar, como sempre nos deu em suas performances, uma certa estesia pela beleza da composição.

Estou ansioso para vê-la no palco.

Jussilene Santana disse...

Setaro, quando iniciamos a produção, ainda naquele processo de ler peças e assistir filmes sobre jeanne d'arc, revi La Passion e soube de histórias terríveis sobre Falconetti.

O processo de ensaios para esse filme foi muito similar ao que ainda hoje se faz em teatros como laboratórios. E que, volta e meia, o cinema "mais visceral" toma de empréstimo.

Só posso agradecer por não termos chegado tão longe (até o momento), tendo em vista que na Bahia não temos hospitais psiquiátricos tão aprazíveis quanto os da Basiléia.

No mais, sofrer de sexta a domingo, as 20h, é bem melhor do que aguentar a dureza do dia-a-dia.

beijo!!

Jussilene Santana disse...

Aah, e como esquecer em La Passion da participação do criador do Teatro da Crueldade, Antonin Artaud, fazendo Jean Massieu? Enfim, um clássico.

Luciana Barreto disse...

Ai, Ju... Como eu queria algumas horinhas com nossos papos, para que pudéssemos falar sobre essa peça e sobre esse personagem.

Bom, não dá para dizer tudo que penso sobre ela, mas há uma imagem dessa mulher e santa que, para mim, resume quase tudo: ela, na guerra, chorava a morte de seus rivais de combate e, em pleno campo de batalha, carregava, nas mãos, um estandarte -- não uma arma.

Para mim, esse gesto tão simples, que parece encerrar um paradoxo, traduz uma mensagem clara: a guerreira Joana, Santa Joana, la Pucelle d'Orléans, preferia morrer a matar. É, para mim, a melhor imagem do mártir -- mesmo por trás de roupas de soldado e de um ofício aparentemente tão beligerante.

Sei que você já leu a Regine Pernoud, o filme do Dreyer, etc, etc. Não deixe de ler também o capítulo "O Suicídio do pensamento", que está no livro Ortodoxia, de Chesterton (sempre ele...).

Há um trecho com uma análise interessantíssima sobre ela. Em inglês, tá aqui: http://www.gutenberg.org/cache/epub/130/pg130.html.utf8. É o capítulo III.

Se passar numa livraria, tome um café e leia lá mesmo. A tradução da capa laranja é ruim, mas quebra um galho. A melhor é a da LTr, mas essa eu nunca encontro em lojas, comprei pela net...

beijoca,
lu

Jussilene Santana disse...

Lu,

Imagino que quando você leu aquela parte do "pobre, analfabeta e etc" você tremeu: "aiii, vai por aí, será?" Hehehe. "Joana, filha do Brasil".

Sim, a história de Joana é cheia de paradoxos, enigmas, segundo a biografia de Donald Spoto, ainda não solucionados (e, como enigma, deveriam ser?).

Em Collete Beaune (biografia muito boa), ela defende a tese que Joana era menos um indivíduo, buscava menos SER um indivíduo como entendemos hoje, do que seguir modelos de conduta. O lance é que ela, de fato, segue modelos de conduta que se chocam: como uma virgem, o ideal do privado, da passividade, pode se conciliar com uma guerreira, uma pessoa de ação, do público? Esse lugar público, como sabemos, estava inteiramente vetado às mulheres.

Joana tinha plena convicção nas vozes, obedeceu, pestanejou durante três anos, mas terminou obedecendo e saindo para seguir o que as vozes pediam. Mas como toda paixão, que queima e só sabe andar em linha reta, ela não tinha a menor desenvoltura no "mundo das curvas", da política, da diplomacia e terminou como terminou.

Lerei Chesterton no meu inglês difícil enquanto procuro a tradução.
Cheiro!!!

JU

Luciana Barreto disse...

Como seria bom estar aí... vc ainda me instiga, eu cheia de coisa para fazer. Ai, ai, viu!

É importante lembrar de uma coisa, também: a santa guerreira é do fim da Idade Média (apenas uns dez anos antes da tomada de Constantinopla pelos turcos). Já não era mais um período tipicamente medieval, especialmente na Inglaterra, onde Joana foi queimada. Parte do clero inglês estava corrompido, rendido ao Estado --uns 100 anos depois, seria o berço de uma das mais estatais das crenças: o anglicanismo, que todo mundo conhece muito bem a história de origem.

Digo tudo isso para fazer uma observação histórica: na Idade Média, as mulheres ainda tinham participação no espaço público: a elas, era livre o o acesso das universidades, por exemplo, e foi nesse período que surgiram mulheres como Hildegard Von Bingen -- autora de óperas, livros de medicina, botânica, gramática, etc, etc, etc (Bingen é tida como a padroeira dos linguistas!). A esse respeito, mais Regine Pernoud (uma das maiores medievalistas de que se tem notícia): Idade Média, o que não nos ensinaram (especialmente o capítulo "A mulher sem alma"; A mulher nos tempos das Catedrais (que logo logo te mando um PDF meio incompleto). Le Goff é outro que tb reconhece isso.

É claro que, no medievo, havia a divisão de tarefas: a tarefa da provisão era essencialmente masculina e o cuidado com os filhos e a casa, femininos. Mas isso não acontecia por se considerar que a mulher era incompetente no ambiente externo, e sim por tê-la como insubstituível no que havia de mais sagrado dentro da cultura medieval: a educação e o cuidado das crianças (olhe a etimologia: casamento é "matrimônio", e não "patrimônio"). É algo completamente diverso do pensamento de Platão, por exemplo, que defende em sua República que os filhos deveriam ser criados pelo Estado -- as mulheres estragariam o futuro dos pequenos... No medievo, até mesmo a idéia da obediência ao marido sempre foi mitigada pelo amor e sacrifício que ele deve à sua esposa (lembremos que nesse período nasce o arquétipo cavalheiresco do trovador e sua inalcançável senhora).

O novo confinamento da mulher exclusivamente ao espaço privado ocorre com o renascimento e seus ideais greco-romanos -- a ideia da mulher como potência (imperfeita e não realizada), e o homem, ato (mais perfeito, portanto), de Aristóteles, é retomada e posta em prática; as mulheres -- esses "seres de cabelos longos e ideias curtas", segundo o renascentista Espinoza -- voltam a ser proibidas de frequentar espaços públicos, como as universidades.

Ufa!

beijocas da irmã saudosa (e de Maria, a nova sobrinha)

Lu

Jussilene Santana disse...

Lu! Como não render conversa (como dizem os franceses)? ;)
Mas esta minha resposta vai de bate-pronto, só porque já estou indo para o ensaio...Voltarei às tuas observações com mais cuidado. Acontece que Dona Hildegarda era uma mulher-da-igreja, uma abadessa! Ela pertencia a uma estrutura que a amparava! É diferente... Filha de grandes senhores feudais, ela, de modo algum, era uma mulher "da margem", inclusive geográfica, como a moça que veio do vale do Loire... (esta conversa te lembra alguma coisa? Eu, vc e Bezerra no Crepe da Barra!)

cheiro! JU

Luciana disse...

pois é lá, no Crepe da Barra, que vamos continuar essa conversa! Te amo!

Jussilene Santana disse...

Jesus Maria, aguentarei até lá?
Te amo!

Jussilene Santana disse...

Já que falamos dela:

Ordo Virtutum, de Hildegard of Bingen. Lindo!

Em: http://www.youtube.com/watch?v=H_FISU5ojZg

Anônimo disse...

~Tudo uma merda, é uma necessidade tupiniquim de vomitar arrobos intelectuais, pura verborragia! Eu quero o artezanato do ator, do diretor e não precisa sofrer tanto basta ter um pouquinho de talento e a coisa sobe como uma pluma, sem o peso do egocentrismo de alguns atores e diretores desse tão pobre teatro baiano. AH! pelo amor de Deus, basta desse jeitinho "clin" de estrelkas globais, porra! Vamos falar como gente, caralho, como artistas que estão na merda e que precisam se lascar para colocar um projeto em cena e lidar com a falta de plateia. Basta de querer ser apenas estrelas municipais e delirar com o próprio umbigo!!! Basta!!! Merda, seus merdas!

Junior Lucaia
Plateia

Salete disse...

Outro dia estava lendo o jornal A Tarde e meus olhos foram atraídos para o nome Santa Joana D'Arc. Era um artigo (Alegria, o segredo do Cristão), de Dom Geraldo M Agnelo, Cardeal Arcebispo de Salvador.

(...)Santa Joana D'arc: "Nós valemos quanto vale a nossa alegria."