quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Joana d'Arc promove o teatro baiano, por ANDRE SETARO
Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine (em 01.12.2009) e republicado no blog de Andre Setaro http://setarosblog.blogspot.com/.
A montagem baiana de Joanna D'Arc, ora em cartaz na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, em Salvador, sobre ser uma peça de altíssimo nível profissional, faz redivivo o teatro baiano, que, nas últimas décadas, salvo as honradas exceções de praxe, vive atolado num besteirol incontrolável. Com texto de Cleise Furtado Mendes, e direção de Elisa Mendes, tem a grande atriz Jussilene Santana como a sofrida personagem que passa por um martírio, uma via-crucis, por causa de sua personalidade, sua retidão, sua fé, e, talvez, sua ingenuidade. Jussilene Santana desponta como a intérprete maior da cena baiana contemporânea.
A concepção cênica tem eficiência dramática, com acentuado sentido da utilização funcional do tempo e do espaço teatrais. Poder-se-ia dizer, até, que Joanna D'Arc é uma peça em movimento, por causa do sentido dramático em que se propõe a construção do espaço, com os cenários que se armam ou se desarmam em função do estabelecimento da agilidade da mise-en-scène. Os intérpretes, quando não estão "em cena", permanecem sentados, e calados, nas laterais do proscênio. Há, nisso, uma proposta de desmistificação do teatro realista para assumir a sua condição de ação dramática especificamente teatral.
Se o uso do espaço é funcional, o do tempo também o é. Joanna D'Arc é apresentada, no início, presa e prestes a ser julgada e, por meio de flash-backs, por assim dizer em linguagem cinematográfica, retorna-se aos momentos nos quais ela luta pela França, com a sua perseverança e ânimo guerreiro. Assim, o espetáculo entrelaça momentos presentes com momentos pretéritos. O fato em si, desse procedimento, que já é lugar comum no teatro, não daria a Joanna D'Arc um maior valor na articulação de sua temporalidade, não fossem a "construção" do tempo por meio do décor e da luz, além dos movimentos dos atores em cena. E entra, de repente, a "desconstruir" esta aparente dualidade temporal (passado/presente) um "hiato", quando a personagem confessa as suas hesitações ao público diretamente. Há, neste procedimento, um acento brechtiano, de distanciamento dramático. A atriz procura a catarse da dor, mas, ao mesmo tempo, "sai" da construção heterodoxa da personagem para uma abrangência maior no seu diálogo com o público.
Assim como no cinema, quando o valor cinematográfico de um filme se expressa pela "maneira" através da qual o realizador articula os elementos da linguagem fílmica, no teatro o texto, a rigor, é um conduto para o estabelecimento de uma mise-en-scène. O valor teatral a ser aferido por uma obra posta em cena pode ser encontrado na articulação dos elementos feita pelo diretor: a cenografia, a indumentária, a luz (fundamental), e, principalmente, pelo poder de convencimento dos atores. Mais do que no cinema, o ator surge como conditio sine qua non para o êxito de um espetáculo teatral. Sem bons intérpretes que consigam convencer, envolver, os espectadores, toda peça se vê condenada ao fracasso.
Joanna D'Arc, neste particular, tem atributos inegáveis capazes de situá-la como um espetáculo profissional, inventivo, que encanta pela conjunção dos elementos específicos da linguagem teatral: o "tratamento" criativo do texto por meio da utilização funcional do décor, do tempo, do espaço, como já dito, e um elenco homogêneo, onde se destaca, no papel-título, a presença de Jussilene Santana (que, além, de excelente atriz é, também, escritora, autora de Impressões modernas, livro desmistificador sobre os tempos de Martim Gonçalves na Bahia).
Por que tanto fascínio por Joanna D’Arc? Carl Theodor Dreyer, cineasta dinamarquês, filmou, em 1928, a obra definitiva sobre esta personalidade histórica em La passion de Jeanne D’Arc, que tem, no papel, uma atriz inexcedível, que sofreu, durante as filmagens, um martírio quase semelhante ao de sua personagem: Renée Falconetti, que, finda a produção, amargurada, depressiva, internou-se num sanatório para curar os traumas impostos pelo perfeccionista diretor na construção do personagem. Walter da Silveira, ensaísta baiano de cinema, numa lista de seus melhores, publicada na extinta revista “Filme/Cultura”, colocou La passion de Jeanne D’Arc no topo de sua lista, como o melhor filme de todos os tempos. Robert Bresson, o mais ascético dos realizadores, inspirou-se nela para seu O processo de Joanna D’Arc, datado de 1961. Há uma Joanna contemporânea, que não vi, dirigida pelo francês Luc Bresson.
Joanna D'arc surge na história da França durante a Guerra dos 100 Anos (1337-1453) entre franceses e ingleses. Há, segundo os historiadores, dois motivos fundamentais para a guerra: a intenção do rei da Inglaterra, Eduardo III, em ocupar o trono francês e outro, de ordem econômica, sobre a disputa franco-britânica pela região de Flandres, rica na produção de tecidos.
Em 1429, ocorre uma importante mudança nos rumos da guerra em favor dos franceses. Trata-se da libertação da praça forte de Orleans, dominada pelos ingleses, por Joana D’Arc, até então vista apenas como uma camponesa mística. Sua liderança e carisma se aliaram e, à frente de um pequeno exército, Joana leva os franceses à vitória e, com isso, contribui para exaltar o sentimento nacionalista, vital para a posterior formação do Estado Moderno francês. Com a intenção de abafar o nacionalismo francês, Joana D’Arc é aprisionada e acusada pelos ingleses de heresia e bruxaria, para depois ser condenada por um tribunal da Igreja e queimada viva em Ruão em 1431.
Há muito não se via, na Bahia (mas Joanna D’Arc vai viajar ao eixo Rio-São Paulo) espetáculo de tal magnitude. Além de Jussilene, destaque especial para o elenco: Carlos Betão, Caio Rodrigo, Jefferson Oliveira, Hamilton Lima (excepcional em dois papéis: o conselheiro do rei e o bispo), Antonio Fábio e, last but not least, Widoto Áquila.
sábado, 21 de novembro de 2009
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
A força e o martírio de viver Joana d'Arc no palco
A TARDE – 2+
05/11/2009
Cena
foto Thiago Teixeira
Teatro: Jussilene Santana encara desafio de protagonizar peça que estréia dia 26
“É uma energia grande dar vida a uma personagem como esta, um enigma estudado pela religião pela história
Jussilene Santana
Protagonista da peça
Eduarda Uzêda
A atmosfera é de tensão, claustrofobia e medo, rodeada
pelo fogo de candeeiros acesos com velas, Joana D’Arc,
acuada, responde as perguntas incisivas de inquisitores vestidos de longos capuzes pretos. Esta é uma das cenas impactantes do espetáculo, Joana D’Arc, que estréia no dia 26, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves.
Este, entre outros quadros, foi representado, anteontem, no Forte de Nossa Senhora do Monte do Carmo, Mais conhecido como Forte do Barbalho, onde a diretora da peça, Elisa Mendes, ensaiava com os atores, enquanto se realizava uma sessão de fotografias para a divulgação.
O cenário não estava ainda todo pronto, assim como o figurino, ambos assinados por Zuarte Júnior, mas os intérpretes já usavam algumas peças do vestuário (cores escuras com materiais reciclados) e portavam adereços da montagem.
No centro da trama, a atriz Jussilene Santana (Shopping and Fucking/ Senhora Júlia), que vive o papel-título, encabeça elenco que conta uma história de idealismo e obstinação por justiça, para provocar reflexão sobre problemas atuais.
No local também estavam os atores Carlos Betão, Widoto Áquila, Hamilton Lima, Antônio Fábio, Caio Rodrigo e Jefferson Oliveira, que integram o elenco e defendiam, com entusiasmo, seus papéis.
Metáfora visual
“Os candelabros que circulam Joana trazem ao palco a metáfora visual do fogo, tanto como simbologia de conhecimento quanto de ameaça constante da fogueira da morte”, explica Elisa Mendes, que acrescenta que o projeto resulta de um estudo amplo que realiza desde 2001.
A pesquisa, que se debruça sobre a encenação de dramas com personagens históricos, de acordo com a encenadora, começou naquele ano com a peça A Vida de Galileu (oitava montagem do Núcleo de Teatro do TCA), prosseguimos com Lampião e Maria Bonita (2003/2005).
Agora, tem continuidade com a peça Joana D’Arc, que faz um recorte do personagem em narrativa não linear, enfocando as vitórias e julgamentos de Joana, que morreu queimada.
O projeto teve início em 2006, com texto inédito da dramaturga Cleise Mendes. A autora também fez uma ampla pesquisa do processo que envolveu a heroína francesa. Cleise chegou a consultar autos do interrogatório histórico.
No ensaio, já se pode sentir o martírio de Joana D’Arc, que, a partir dos 13 anos, começou a ouvir as vozes de Santa Catarina, Santa Margarida e São Miguel, exortando-a para libertar a França do domínio inglês.
É muito forte a cena em que é interrogada e torturada pelo promotor Jean d’ Stiver (personagem de Carlos Betão). Jussilene imprime, através do olhar e nas contorções corporais, todo o sofrimento da heroína.
“É uma energia muito grande dar vida a uma personagem como esta, um enigma estudado pela religião, pela história”, afirma a intérprete. Ela diz que fica entregue à figura de Joana D’Arc 24 horas por dia.
“Tenho este papel escabroso de contar o lado podre da igreja”, ressalta Betão em um pequeno intervalo da cena. O ator, que também tem brilhado nos palcos, diz que trabalhar com Elisa “é um luxo”, elogiando a sensibilidade e a inteligência da encenadora baiana.
Insultos
Não faltam insultos à heroína, acusada pelo tribunal inglês de feitiçaria. “Vaqueira, analfabeta, prostituta, transvestida e bruxa francesa”. São com estes termos que o personagem Warwic, o conde inglês, interpretado por Widoto Áquila, se refere à Joana. É ele quem cobra agilidade do processo contra esta, “É um grande manipulador”, entrega, também em intervalo rápido de uma cena. As relações de poder, da autoridade que utiliza a força e a arbitrariedade, a disputa incessante de territórios, assim como o fanatismo, são temas abordados na peça, que permitem a reflexão da realidade contemporânea.
“Não há uma ordem. O público monta a jornada da personagem, exercitando o olhar de espectador”, diz Elisa, que trabalha com paralelismo de tempo, em movimentação realista ou coreografada, que ressalta tanto a realidade quanto o delírio.
Patrocínio
O espetáculo Joana D’Arc arrecadou R$ 90 mil, através do edital Manoel Lopes Pontes de Apoio à Montagem de Espetáculo Teatral. O jornalista Jean Wyllys, Ex-big Brother Brasil e amigo pessoal de Jussilene Santana, também contribuiu com uma verba que possibilitou a montagem do espetáculo.
De acordo com a produtora Virgínia Da Rin, Jean deu cerca de R$ 20 mil para a montagem, o que foi muito útil para bancar os custos iniciais de trabalho de corpo e voz de Jussilene e pesquisa dramatúrgica de Cleise.
“Foi nosso primeiro patrocínio do projeto”, enfatizou, ressaltando também o bom trabalho da equipe. Joana D’Arc, que tem iluminação de Irmã Vidal e trilha sonora de Luciano Bahia, está nos preparativos finais. E, se depender dos atores e da diretora, o público vai aplaudir. Em véspera de estréia, atores ficam nervosos. Jussilene Santana fica calma. “Mas é uma calma de olho de furacão”, brinca. Com uma filha de seis meses e no doutorado de Artes Cênicas, ela sabe mesmo enfrentar as batalhas.
JOANA D’ARC / 26 a 29 DE NOVEMBRO, 20 H E 3, 4, 11, 12, 13, 18, 19 E 20 DE DEZEMBRO, 20 H / SALA DO CORO DO TEATRO CASTRO ALVES (3117-4899) / PÇ. DOIS DE JULHO S/N, CAMPO GRANDE / R$ 20 E R$ 10
Jussilene Santana
“É UM RISCO FECHAR JOANA D’ARC EM UMA ÚNICA LEITURA”
A Atriz e jornalista baiana Jussilene Santana é a protagonista do espetáculo Joana D’Arc, que estréia no dia 26, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Intérprete talentosa, ela vem marcando a cena teatral com elogiadas atuações. Entre outras peças, Jussilene atuou em Senhorita Júlia e A Mulher sem Pecado (Ewad Hackler), Budro (Tom Carneiro), quando recebeu o Prêmio Braskem de Teatro em 2004 na categoria de melhor atriz, e Shopping and Fucking (Fernando Guerreiro). Dirigida por Elisa Mendes, Jussilene atuou em As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant.
Como foi o trabalho de construção do personagem Joana D’Arc para este espetáculo?
Veja bem, antes de tudo quero dizer que é um grande desafio, para qualquer atriz, representar Joana D’Arc. Fizemos uma pesquisa de corpo, de voz, além de documentos históricos. Lemos muitos livros e peças. É uma personagem complexa. É um risco de fechar Joana em uma única leitura. Entendo que é mais bacana contemplar todas as potencialidades que esta personagem oferece.
Como assim?
Joana não pode ser vista como uma fanática religiosa, como uma líder política, como uma louca. Tem uma relação, sim, com a transcendência. É uma mulher que, entre outras possibilidades, vai à luta por um objetivo. Que vê a necessidade de mudanças.
E quais foram as suas maiores dificuldades no processo?
A questão financeira. Este é um projeto caro, que requer bons profissionais. Os processos, de uma maneira geral, estão cada vez mais enxutos, com poucos atores. Mas esta é um tipo de peça que necessita de uma grande equipe. Não foi concebido para ser um solo, embora eu e Elisa até pensamos nisto em um certo momento, na possibilidade de eu fazer um monólogo.
E em relação à personagem?
Joana D’Arc é uma máquina, com muitos parafusos, muitas engrenagens. E esta engrenagem precisa estar com os parafusos muito bem ajeitados.
É um personagem de alta complexidade, de muitas sutilezas. “Nós precisamos mudar juntos”, é a mensagem que traz. Vivemos em um mundo violento, insensível. Agente perdeu a sensibilidade em relação ao outro. E Joana D’Arc é um retorno ao humano.
Que questões você acha que o texto traz para a contemporaneidade?
Joana vai ser sempre um chamado para se perguntar: Quem somos nós? Quem está lutando com agente? Não é um chamado para a individualidade. É um chamado para a luta de causas coletivas. E é claro que quando se luta em grupo, acontece perdas. As perdas fazem parte para que uma conquista seja possível.
Como está sendo o convívio com o elenco?
Os atores entraram profissionalmente de cabeça neste projeto como verdadeiros soldados. É uma equipe dos sonhos.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Entregue nas mãos de Deo
Ontem foi dia de transformação. Depois de tantos exercícios, leituras e interiorizações, estava chegando a hora de mudar, literalmente, a cara por Joana. E teria que ser o 'corte certeiro'. Afinal, cabelo baixinho só se acerta uma vez. Além disso, tinha a cor: mudar o tom... Todo mundo sabe que estou com uma filhinha pequena e amamentando. Então, como mudar, mexer com tinta, sem interferir em nada disso? A quem poderíamos nos entregar em total confiança nesta difícil tarefa? Deo Carvalho! É claro!
QUEM no teatro baiano não conhece Deo Carvalho? Imagina... Ninguém. Todos nós já nos entregamos deliciosamente em suas mãos de luz violeta. E foi o que fiz ontem, ao lado de Elisa que, claro, dirigiu tudo!
Há sete anos tive que ficar "morena" (ah! que sonho...de cabelos pretos, vá lá) pela primeira vez para fazer a peça Bolero, de Paulo Henrique Alcântara. Uma produção incrível inspirada nos filmes em preto-e-branco do cinema americano da década de 1940. Quando a peça acabou, pedi a Deo que me deixasse loira de novo... Um negócio que deu um trabalho absurdo! Após sete horas de exaustivas tentativas e muitas repreensões de Deo pelas loucuras que havia feito até ali, prometi: "Deo, só você para mudar estes fios novamente!" Dito e feito.
Assinar:
Postagens (Atom)